Guest Post: Uma educação sem gênero?

por Júlia Neves

Uma de nossas leitoras postou uma matéria interessante na nossa página do Facebook sobre um assunto que já estava na minha lista de assuntos para o Subvertidas. Trata-se de uma pré-escola sueca, a Egalia, que tem tentado eliminar a distinção dos gêneros masculino e feminino ao evitar que as crianças utilizem os pronomes "ele" e "ela", por exemplo. 

A pré-escola Egalia, na Suécia, onde meninos e meninas usam as mesmas cores para designar igualdade de gênero
A metodologia desta escola, ao meu ver, é um tanto extremista. O principal problema é tentar ensinar às crianças de que "somos todos iguais". Não, não somos. Somos diferentes. Existem sim diferenças entre mulheres e homens. Uma delas é exatamente o mito disseminado ao longo da história de que mulheres são inferiores aos homens. Seria realmente o ideal, ensinar às crianças que há igualdade entre os gêneros. Mas não há, pois as mulheres, junto com todas as minorias, foram excluídas historica, politica e socialmente de diversas formas. 

Acho que o mais importante dentro de uma educação que tem como objetivo uma igualdade de direitos entre gêneros é ressaltar que não devemos ficar presos a papeis sociais que já foram rigidamente estabelecidos. Atividades que misturam brincadeiras supostamente de meninos e de meninas, por exemplo, já incentivam o aprendizado de que não há funções estritamente masculinas ou femininas.

Boneca também é coisa de menino
Li um artigo de duas pesquisadoras (Isabel de Oliveira e Silva e Iza Rodrigues da Luz) sobre a diferenciação de gênero na pré-escola. Neste trabalho, elas analisam mais especificamente a educação de meninos dentro de pré-escolas em Belo Horizonte. Um dos pontos abordados pelas autoras é exatamente esta separação de tarefas destinadas a meninas e meninos desde o início da educação escolar. 

Elas entrevistaram professoras sobre as brincadeiras realizadas dentro de sala de aula e perguntam se elas tentam incentivar atividades que quebrem com estereótipos de papeis femininos e masculinos: as educadoras dizem tentar mudar estes papeis, mas confessam que têm dificuldades em criar novas culturas de gênero.  Sendo assim, estimulam as meninas a cozinharem para os meninos e estes a olharem as meninas na cozinha. 

O que é mesmo que as meninas não conseguem fazer?
Outro aspecto importante do artigo de Silva e da Luz é também a falta de cuidado com meninos na pré-escola. Parte-se do pressuposto de que garotos conseguem cuidar de si desde cedo e, portanto, professoras tendem a dar menos atenção a eles em forma de carinho, afeto e proteção, por exemplo. As pesquisadoras associam este comportamento na educação dos meninos ao próprio modelo que as professoras têm do que é "ser homem" e "ser mulher" e acabam perpetuando o que já está consolidado.

Não concordo com uma metodologia tão extremista como a da escola sueca, pois acredito que haja um choque de realidades entre a inexistência de gênero dentro da escola e a diferença entre gêneros fora dela. No entanto, acho que deve haver maior atenção dos cursos de pedagogia e das próprias educadoras (e, claro, educadores) na abordagem de atividades dentro de sala que quebrem o papel de princesa para as meninas e de herois para os meninos.  

4 comentários:

  1. Muito interessante o post, Júlia. Só não entendi por que você não concorda com a proposta da escola sueca. É claro que meninas e meninos não são iguais nem aqui nem na Suécia, mas não é justamente desestabilizando os papeis de gênero desde cedo que temos uma melhor chance da igualdade um dia virar realidade? A escola faz justamente o que você propõe, que é misturar brincadeiras comumente associadas a um gênero específico. Sobretudo quando outras propostas (como a do artigo brasileiro que você citou) falham, a escola sueca me parece uma alternativa muito interessante. A discrepância entre escola e vida real é um ponto relevante, mas não é sempre melhor subverter do que reforçar?

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  2. Subverter sim, mas criar uma situação irreal não. Eu concordo com a escola sueca até o ponto de você mudar brincadeiras, incentivar meninos e meninas com atividades que estimulem a igualdade entre os gêneros, não ficar nessa de "meninas de rosa, meninos de azul" etc. Mas você deixar de usar pronomes pessoais para reforçar que somos iguais? Acho que isso não funciona, é um exagero. Uma coisa é vc incentivar a igualdade dentro de sala de aula, a capacidade de reflexão nesse aspecto de gênero e sexualidade (por que há desigualdade entre gêneros? Por que há padrões de masculinidade e feminilidade? Por que há tanto preconceito com tudo que é diferente do modelo heterosexual e masculini?), mas pensar em uma sociedade sem gênero me parece uma utopia. Até porque acho que o que há de ser estimulado é a igualdade de direitos, mas não de que "somos iguais". Até porque, fora da escola, elas vão perceber que sempre haverá desigualdades. Então, acho que faz mais sentido vc reforçar a reflexão sobre as desigualdades em geral, do que simplesmente alienar a criança num mundo em que gênero não existe.

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  3. Entendi e concordo, mas não é possível que os dois aconteçam juntos (reflexão e prática)? Concordo que homens e mulheres não são iguais, mas isso não é justamente porque fomos ensinados a sermos diferentes (o famoso tornar-se mulher da Beauvoir)? Pode parecer utópico, mas se todas as escolas da Suécia adotassem essa prática, por exemplo, as novas gerações certamente teriam uma visão diferente, não? A iniciativa abre precedentes e, mesmo que essas crianças se deparem com uma realidade diversa, me parece que elas terão chances maiores de questioná-la e fazer diferente.

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  4. Eu acho a proposta da escola sueca incrível e linda. Acho que perceberem, as crianças, que o mundo de fora da escola é dividido, mas que é possível que não seja (a escola o prova) é revolucionário. Eu li uma reportagem em que uma professora dizia que se um bombeiro vai visitar a escola ela não usa o pronome masculino, pra que a criança não forme a imagem daquela profissão como masculina - não tem como não achar que isso é libertador para as mulheres. Da mesma forma, se é uma bailarina que vai lá, se usa o neutro - e isso é libertador para os homens. Tággidi

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